Com tantos escândalos de trapaça no poker nos noticiários, temos agora uma boa oportunidade para analisar outra potencial ameaça para o jogo: os bots.
Um bot é um programa de computador que joga com ou contra você. Os bots são comuns em muitos aplicativos. Se você já disputou uma partida “contra o computador”, então você já enfrentou um bot.
A maioria dos bots existe apenas como entretenimento ou quando um oponente humano não está disponível. Esses bots básicos são comuns e não exigem muito poder de processamento.
Se você estiver lendo isso em seu telefone, por exemplo, terá diversos bots diferentes em suas mãos durante a leitura.
Esses bots básicos funcionam bem em um jogo computadorizado de Banco Imobiliário ou FIFA, mas têm limites e não podem jogar competitivamente um jogo mais complexo, como o poker.
Índice
- Os bots são mesmo inteligentes?
- Quem pode usar um bot?
- Por que os bots de poker são proibidos?
- Por que enfrentar um bot?
- A hora do Libratus
- O caçador se torna a caça
- Qual o veredicto do Libratus?
- Devemos nos preocupar com os bots?
Os bots são mesmo inteligentes?
Os bots existem em todas as formas e tamanhos, mas a regra é bem simples: quanto mais complexo um bot se torna, mais potente o computador precisa ser para funcionar bem.
A complexidade do seu bot é baseada em dois fatores:
1: O jogo que você está jogando é muito complicado?
1. Os computadores são projetados para processar dados sistematicamente. Esse fator permite que eles tenham um bom desempenho em jogos de informação perfeita (como Connect 4 ou xadrez). Mas as coisas se tornam mais complexas em jogos de informação imperfeita (jogos onde você não consegue ver tudo acontecendo).
2. A diferença entre NLHE (Equilíbrio de Nash) e Limit Hold'em também é importante. As rígidas regras de apostas no Limit Hold'em tornam o jogo muito mais restritivo do que o NLHE. Por outro lado, um bot chamado Cepheus pode elaborar uma estratégia quase perfeita de Limit Hold’em no Equilíbrio de Nash.
3. A flexibilidade de apostas no NLHE faz dele um jogo muito mais complicado. Como resultado, vencê-lo requer um bot muito mais complexo.
2: Qual o nível de seus adversários?
1. Embora os computadores não cometam erros bobos, eles ficam limitados por estratégias pré-programadas. Estratégias simples podem ser suficientes para derrotar oponentes fracos. Mas bons jogadores de poker entenderão como explorar essas táticas.
2. Um conjunto rígido de perímetros pré-escritos controla bots simples. Eles são incapazes de se ajustar a um adversário que está levando a melhor. Assim, um oponente mais forte pode dominá-los facilmente.
3. Os bots podem superar a concorrência mais avançada por meio de estratégias complexas. Mas esses programas são difíceis de serem escritos e exigem muito mais poder de processamento.
Quem pode usar um bot?
Como um jogador que está vencendo não precisa trapacear, você pode associar o uso de bots a jogadores que costumam perder. Mas a realidade é que qualquer um pode decidir usar um bot. Quando sonham em se tornar jogadores profissionais, as pessoas muitas vezes esquecem que a vida de um profissional do poker passa por uma exigente rotina de trabalho.
Ela requer disciplina, dedicação e coragem. Algumas pessoas não têm a força necessária. Além disso, volume é a única forma de combater a variação. Então, é fácil cair na tentação de usar um bot incansável para trabalhar nas horas mais difíceis.
Entre os jogadores que podem usar um bot estão:
1. Jogador propenso a entrar em “tilt”:
Os computadores não têm resposta emocional. Portanto, mesmo um jogador que está vencendo pode usar um bot se sentir que o tilt pode arruinar o seu jogo. Eles podem sentir que, ao entrar em tilt, estariam perdendo a chance de ganhar o que eles (incorretamente) acham que merecem.
2. Jogador vencedor impaciente ou incapaz de subir de nível:
Subir de nível requer muita dedicação e trabalho duro. Os requisitos aumentam à medida que você evolui. Muitas pessoas não têm força mental ou paciência para competir.
3. Jogador que deseja ganhar um bônus:
Muitos sites oferecem programas de recompensas baseados em bônus, e eles podem ser bem vantajosos. Rake races ou bônus de depósito são geralmente interessantes o suficiente para transformar um jogador mediano em um bom vencedor. No entanto, esses bônus costumam ser difíceis de serem liberados, portanto, usar um bot é uma maneira simples de atingir o número necessário de mãos.
4. Jogadores egoístas:
Usar um bot de poker é mais uma forma de roubar dinheiro, simples assim. Roubar é ser moralmente antiético, então aqueles que usam bots são inequivocamente egoístas.
Os sites de poker estão trabalhando sem descanso para impedir esse uso, mas sempre há notícias de escândalos de bots. Recentemente, uma postagem interessante no Two Plus Two descrevia um golpe de bot de vários computadores visando sit and go's de high stakes.
Por que os bots de poker são proibidos?
Os altos ganhos com o poker de alto nível são uma excelente motivação para qualquer jogador. Mas é impossível chegar ao topo sem ter a vontade de ser o melhor.
O objetivo do poker é testar sua habilidade e determinação contra outra pessoa. E isso atrai aqueles que possuem uma veia competitiva.
Jogar poker é tanto uma batalha consigo mesmo como contra outra pessoa. Para vencer, você deve dominar suas emoções, seu senso de disciplina e outros aspectos humanos poderosos.
Esse autoconflito é um das características mais belas e desafiadoras do jogo.
Bots computadorizados e sem emoção arruinam essa mágica.
Por estas razões, os bots não têm lugar no poker… normalmente.
Diversos testes foram feitos com bots de poker que estudavam a competência da IA. Mas há uma enorme diferença entre o uso regulamentado de bots e aqueles estritamente proibidos no mundo do poker online.
Os jogadores que participam voluntariamente desses estudos controlados sabem antecipadamente que estão jogando contra um bot.
Por que enfrentar um bot?
Participar desses desafios geralmente oferece aos jogadores um incentivo financeiro atraente. Mas os experimentos também têm a mesma intriga que fez filmes como "O Exterminador do Futuro", "Matrix" e "Eu, Robô" fossem tão bem-sucedidos:
A guerra teórica entre a inteligência humana e a artificial.
Essas partidas de poker simuladas oferecem uma arena para os dois tipos de inteligência batalharem.
Até recentemente, muitos acreditavam que o poker era muito complexo para que um bot o dominasse completamente. Por exemplo, existem 10.160 situações diferentes em um jogo de poker heads-up. Como explica Tuomas Sandholm, um dos fundadores do revolucionário robô de poker Libratus:
“Existem mais cenários potenciais de poker heads-up do que átomos no universo.”
Ao combinar essa complexidade com limitações computacionais, muitos acreditavam que escrever um bot de alto nível para o poker fosse algo muito complicado.
Mesmo com o aumento constante da potência do computador, muitos puristas sustentavam que a incapacidade de adaptação levaria os bots de poker à própria ruína. Esses jogadores humanos acabariam identificando uma falha que poderiam explorar.
Eles tinham boas razões para isso. Os jogadores selecionados para participar desses testes faziam parte dos melhores do mundo. Eles eram experientes e estavam cientes das estratégias mais inovadoras do jogo.
Mesmo com o rápido avanço na tecnologia de IA, os bots ainda precisam de programação.
Como um jogador inferior poderia escrever um bot bom o suficiente para competir com as mentes mais inteligentes do jogo?
Bem, até 2017, eles não podiam. Um bot de poker chamado Claudico teve algum sucesso contra jogadores experientes como Laak e Esfandiari. Mas esses jogadores não eram conhecidos por grandes feitos em jogos um-contra-um.
Os maiores especialistas em NL heads-up provaram ser fortes demais para os bots de poker seguidas vezes.
A hora do Libratus
Foi então que, em 2017, quatro dos melhores jogadores do mundo enfrentaram o mais recente bot de poker. Seu nome: Libratus. E foi aí que tudo mudou.
Projetos inteligentes geralmente recebem nomes equivalentes, e Libratus não foi a exceção. Derivação da palavra latina “libra”, Libratus pode ser traduzido diretamente como "equilibrado", um nome adequado, dada a progressão da indústria em direção ao poker GTO. É a mesma raiz que o signo de Libra, e é por isso que é representado por um par de balanças.
Os jogadores que enfrentraram Libratus foram Jason Les, Dong Kim, Daniel McAulay e Jimmy Chou. Com dois jogadores que participaram da vitória de 2015 contra Claudico, o predecessor de Libratus, a confiança dos jogadores era alta, mas talvez um pouco excessiva.
Desde o início, Libratus se mostrou incrível e o segredo estava em sua programação.
Com 600, 28 nós centrais e 2,7 petabytes de dados (sim, também tivemos que pesquisar no Google o quanto era isso), o poder cerebral de Libratus era impressionante. Mas, por incrível que possa parecer, não era um bot que havia estudado como jogar poker bem. Ele não havia aprendido estratégias de poker além das regras básicas do jogo.
Em vez disso, Libratus tinha a capacidade de resolver jogos de informações imperfeitas. Ele usou seu imenso poder de processamento para executar simulações contínuas de poker para aprender sozinho.
Um grande problema da maioria dos bots de poker é que, quando um jogador encontra uma falha na estratégia do bot, ele pode explorá-la incansavelmente. O bot não pode se reprogramar em tempo real. Em entrevista, Jason Les admitiu que os jogadores tentaram vencer o bot dessa forma no desafio.
Devido à programação inteligente de Libratus, ele poderia avaliar as estratégias que os jogadores humanos estavam usando enquanto jogava. Embora os jogadores humanos também possam fazer isso, a capacidade de Libratus de estudar e jogar simultaneamente estava em um nível em que os jogadores humanos não podiam competir.
Esse impressionante processo de robo-flex removeu uma vulnerabilidade que atrapalhava os bots anteriores. Isso permitiu que Libratus evitasse as falhas que os jogadores humanos pudessem explorar rapidamente.
O caçador se torna a caça
Mas Libratus também não estava apenas se defendendo. Ao descobrir o que Sandholm descreveu como potenciais "buracos" em sua estratégia, Libratus priorizou o cálculo de "melhores estratégias para essas partes do jogo”.
Assim, Libratus aprenderia a corrigir seus erros e criar maneiras inteligentes de explorar os novos ajustes do jogador humano. 
Além de ter uma força cerebral superior, Libratus tinha outras vantagens sobre o jogador humano. O desafio de 2017 consistiu em 120.000 mãos em 20 dias. Embora não seja incomum que os profissionais de poker joguem por diversas horas, é normal esperar que o cansaço apareça durante um desafio tão longo e exaustivo.
Como computador, Libratus não tinha esses problemas.
Para tornar suas estratégias menos vulneráveis, os jogadores normalmente limitam seus diferentes tamanhos de aposta. Quanto mais você varia esses tamanhos, mais complicada sua estratégia de poker se torna.
Por outro lado, também é mais desafiador implementá-las e equilibrá-las.
Graças a seu supercérebro, Libratus podia lidar com essa complexidade, permitindo que ele fosse mais criativo em relação ao tamanho de aposta do que um humano. Libratus podia fazer jogadas incomuns que eram mais difíceis de serem lidas e previstas.
No final do desafio, os profissionais admitiram que Libratus era "bom demais" e sofreram perdas significativas.
Foi um avanço assustador para a IA do poker.
Qual o veredicto do Libratus?
Enquanto a vitória de Libratus deixou muitos surpresos, poucos entraram em pânico. Além de exigir uma potência de computador fora do alcance do consumidor médio, Libratus não foi testado contra vários oponentes.
Muitos questionaram se o bot (e seu hardware) poderia derrotar vários oponentes, já que isso tornava o jogo mais complexo.
Esse ceticismo durou pouco, com Polaris (sucessor de Libratus) derrotando vários oponentes com facilidade.
Felizmente, os designers dos bots se recusaram a divulgar detalhes da programação de Polaris para garantir que ela não caísse em mãos erradas.
Devemos nos preocupar com os Bots?
Os sites de poker estão fazendo tudo o que podem para proteger os jogadores do uso de bots online. Embora representem uma ameaça ao poker online a longo prazo, os seres humanos são difíceis de serem bem reproduzidos.
Nossas falhas emocionais são tão aleatórias quanto poderosas.
Golpes como o truque da "máquina dos sonhos" de Fedor Kruse, por exemplo (sobre o qual você pode ler aqui), foram rapidamente identificados. O bot de Fedor usava um tamanho de aposta que era muito pouco ortodoxo e complicado para ser de um humano.
Super bots fazem coisas muito incomuns. Portanto, é difícil imaginar como eles poderiam evitar serem descobertos com toda uma comunidade de poker olhando atentivamente.
Se você gostou de ler sobre Libratus, pode encontrar um pequeno documentário abaixo.
Enquanto isso, boa sorte nas mesas.